Sigilo Médico-Paciente: regras, importância e exceções (2025)
Se você já assistiu à série “The Sopranos”, deve ter se perguntado diariamente como a Dra. Jennifer Melfi conseguia dormir à noite.
Embora Tony Soprano não contasse explicitamente seus crimes, ela sabia que estava tratando um mafioso — e que muitos de seus eufemismos eram relacionados a mortes e situações de violência empregadas por ele ou por seus capangas.
Como psiquiatra, a Dra. Melfi não tinha escolha:
Uma vez que Tony nunca era claro sobre seus crimes, ela não poderia comentá-los com ninguém, sob risco de violar o sigilo médico-paciente.
Em mais de uma ocasião, a Dra. Melfi orientou que Tony fosse cauteloso na hora de detalhar seus dilemas.
Se ele fosse explícito, ela teria uma boa justificativa para reportá-lo às autoridades.
Muitos médicos podem se ver nessa ou em situações parecidas ao longo da carreira.
São poucos os que terão um mafioso como paciente, é claro (e esperamos que você não tenha).
Mas, ainda assim, médicos são testemunhas de situações e ouvem informações sensíveis que, por lei, não podem repassar a ninguém.
Neste artigo, explicamos como funciona o sigilo médico-paciente, quais são as exceções à regra e os motivos pelos quais essa prerrogativa do paciente é tão importante.
Como funciona o sigilo médico-paciente?
Você certamente já viu, em filmes ou seriados, cenas em que uma personagem revela seus pensamentos mais obscuros a um médico — normalmente, um psiquiatra —, que logo explica que toda a conversa ficará entre eles, devido ao sigilo médico-paciente.
Esse privilégio — ou obrigação — não é um subterfúgio da ficção.
Realmente, existe a obrigatoriedade do sigilo entre médico e paciente — um direito do paciente para sua proteção e algo que deve ser cumprido pelo médico como um dever.
A obrigação do sigilo médico está prevista no Código de Ética Médica e na legislação brasileira — tanto na Constituição Federal como na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que reforça a confidencialidade de informações pessoais e sensíveis.
Além disso, a quebra do sigilo médico-paciente tem penalidade prevista no Código Penal Brasileiro.
Na Constituição Federal, o sigilo médico é um desdobramento do Art. 5º, Inciso XIV, que assegura o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional.
Já a LGPD, mais ampla, tem impacto direto sobre o sigilo médico, uma vez que dados de saúde são considerados dados sensíveis.
Nem mesmo o médico residente, que ainda está completando a formação, está livre do sigilo médico.
É obrigatório para qualquer estágio do ensino e da prática médica.
Também é válido para quem trabalha em um ambiente hospitalar, instituição de saúde ou clínica médica, ainda que não seja o médico — qualquer pessoa, em suma, que tenha acesso aos dados médicos dos pacientes.
O médico não pode, por exemplo, permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por outras pessoas que não sejam obrigadas a manter sigilo profissional.
Para ilustrar:
Se você é plantonista, por exemplo, e deixa o prontuário do paciente completo para que o próximo médico o revise, está tudo bem.
Vocês dois são obrigados, pela lei, a manter o sigilo médico-paciente.
Mas você não pode permitir que um parente desse paciente revise o prontuário, uma vez que essa terceira pessoa, desconhecida, não está necessariamente obrigada a manter sigilo sobre aquelas informações – ou então não foi autorizada para recebê-las.
O que diz o Código de Ética Médica?
Artigo 11 – o médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções.
O mesmo se aplica ao trabalho em empresas, exceto nos casos em que seu silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da comunidade.
É vedado ao médico:
Artigo 74 – revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive, a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.
Artigo 75 – fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.
Artigo 76 – revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive, por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
➡️ Leia o Código de Ética Médica na íntegra
O que diz o Código Penal?
Artigo 153 – divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa causar dano a outrem.
Artigo 154 – revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.
Artigo 269 – deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória.
Artigo 325 – revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação.
➡️ Leia o Código Penal Brasileiro na íntegra
Quais são as exceções relacionadas ao sigilo médico?
O sigilo médico–paciente só pode ser quebrado se o paciente consentir, de forma escrita, ou se o médico deparar com alguma situação em que a quebra é permitida pela lei.
As causas para quebra do sigilo médico são bem específicas e pontuais — e, mesmo que haja uma lista, é preciso analisar atentamente cada caso.
Se houver dúvida sobre a conduta correta, o ideal é buscar respaldo junto ao Conselho Federal de Medicina ou ao Conselho Regional de Medicina da sua região.
Veja casos em que o médico pode quebrar o sigilo médico-paciente:
O dever de sigilo médico é prevalente — mesmo em caso de investigações criminais, o médico está vedado de revelar qualquer informação que possa comprometer o paciente.
Caso o faça sem justa causa, o médico poderá ser responsabilizado criminalmente.
Veja também: Paciente pode gravar consulta médica? Confira o que diz a Lei
O caso dos Irmãos Menendez
Se você for fã de true crime, deve ter assistido à série “Monstros: Irmãos Menendez”.
O seriado da Netflix resgata os assassinatos de José e Kitty Menendez por seus próprios filhos, Erik e Lyle, em 1989.
Inicialmente, os irmãos não eram suspeitos, uma vez que o crime foi atribuído à vingança da máfia.
No entanto, o comportamento errático de ambos e uma denúncia feita pela namorada do psicólogo de Erik deixou a polícia na cola dos garotos.
Erik e Lyle confessaram os crimes ao psicólogo, Jerome Oziel. No seriado, o psicólogo, desesperado e assustado, revela o que ouviu à namorada.
Após a denúncia, os garotos foram presos.
Uma vez que Erik e Lyle confessaram um crime de homicídio, a quebra do sigilo médico se justifica, na medida em que o profissional de saúde se deparou com uma situação excepcional de violência.
Então, o psicólogo, neste caso, não seria punido por violar o sigilo.
Ainda assim, ele não seria punido se não denunciasse, pois não é obrigado a fazer isso, uma vez que os crimes já haviam sido cometidos — ou seja, não haveria mais como impedir a violência de ocorrer.
O que acontece se houver a quebra do sigilo médico-paciente?
O médico que quebrar o sigilo médico-paciente sem justa causa pode enfrentar algumas consequências no âmbito médico, além de penalidades civis e penais.
No que diz respeito ao Conselho Federal de Medicina, o médico pode receber uma advertência ou uma censura pública, além de perder temporariamente o direito de exercer a profissão.
Em casos mais graves, o registro profissional pode ser cassado.
Na esfera cível, a consequência pode vir por meio de uma ação de indenização de danos morais movida pelo paciente.
Por fim, o artigo 154 do Código Penal prevê pena de detenção de três meses a um ano ou multa para médicos que violarem os direitos profissionais.
A situação também pode ser resolvida amigavelmente entre médico e paciente.
Isso porque o médico só pode ser processado criminalmente se a vítima – o paciente que se sentir lesado — manifestar, perante autoridade, o desejo de que o médico seja responsabilizado na esfera penal.
Veja também: 11 direitos garantidos pelo Código de Ética Médica
Por que o sigilo médico é importante?
Para além das questões legais e éticas, a relação entre médico e paciente é fortemente pautada pela confiança.
Diante de um médico, o paciente sente — ou deveria sentir — a liberdade de ser completamente honesto sobre seus comportamentos e seus hábitos.
Então, é possível que ele releve situações que não revelaria a mais ninguém — e isso deve ser respeitado.
Além disso, há situações em que exames revelam resultados positivos para doenças que são vistas com preconceito, como algumas doenças sexualmente transmissíveis ou que, antigamente, eram altamente contagiosas, como hanseníase.
Nesses casos — e quando não há risco para outras pessoas —, o paciente tem direito de manter a informação em segredo.
Em suma, a confiança é uma via de mão dupla.
Ao confiar no médico, o paciente espera ser respeitado.
Por vezes, o paciente terá de fazer tratamentos e pode preferir não expor essa situação a outras pessoas, a fim de não se sentir tão vulnerável.
Ele seguirá confiando no médico, no entanto, que se tornará inclusive um porto seguro quando se tratar daquele assunto.
Confiança quebrada é irreparável. Portanto, valorize esse bem tão precioso.
Essas informações não são sigilosas e estarão sempre disponíveis
Longe de ser apenas um dever ético e legal, o sigilo médico-paciente é uma forma de garantir que o paciente pode confiar no médico — e, com isso, garantir que o tratamento após o diagnóstico seja cumprido.
Se o paciente se sentir seguro, ele vai compartilhar todas as informações necessárias para que o médico possa ajudá-lo da melhor forma possível.
A menos que você depare com situações extremas, em que a violação do sigilo médico é justificada, essa é uma das mais valiosas regras do exercício médico.
Já passou por uma situação dessas? Relate como você agiu nos comentários – sem expor ninguém indevidamente, é claro.
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